Pedro E. de Felício
Referência:
FELÍCIO, P.E. de. In: Simpósio sobre Produção Intensiva de Gado de Corte, 1998, Campinas.
Anais. São Paulo: Colégio Brasileiro de Nutrição Animal (CBNA), 1998, p.92-99.
I. INTRODUÇÃO
Costuma-se avaliar a qualidade dos alimentos com base em características
definidas a partir do conhecimento técnico disponível, prestando-se pouca atenção ao que
os consumidores gostariam de encontrar nos produtos. No caso da carne bovina, ao lado
de medidas físicas, químicas e microbiológicas escolhidas, procura-se juntar informações
obtidas em análises sensoriais, destinadas a detectar diferenças entre amostras, e a
comparar escores atribuídos por equipes de provadores treinados, que atuam como
“instrumentos de medida”, sempre com base em escalas construídas por especialistas.
Pela complexidade dos experimentos, raramente são realizadas pesquisas com
consumidores.
Felizmente, os pesquisadores estão, na maior parte do tempo, preocupados com a
qualidade definida pela cor, maciez, sabor e suculência, que são características
determinantes na decisão de comprar carne. Eles sabem que o consumidor escolhe o
corte cárneo baseado na experiência anterior com o modo de preparar e com o grau de
satisfação na refeição, sendo influenciado pela aparência, ou seja, pela cor da carne,
quantidade e distribuição da gordura, firmeza e, no caso do produto embalado, pela
quantidade de líquido livre. Para este consumidor, a decisão de voltar a comprar no
mesmo ponto de venda, ou do mesmo tipo de carne, vai depender de terem sido
satisfeitas suas expectativas iniciais. Como decorrência, os estudos são planejados para
avaliação das propriedades da carne fresca, como pH, capacidade de retenção de água,
cor, firmeza e textura (visual), e das características da carne pronta para ser consumida,
como maciez, sabor e suculência.
Atualmente, uma metodologia de desenvolvimento de produtos criada por AKAO
(1972), no Japão, começa a despertar interesse com vistas à sua aplicação na busca de
soluções para que a carne bovina não perca competitividade em relação a outros
alimentos protéicos (HOFMEISTER, 1991; DALEN, 1996).
Na sequência será apresentado um exemplo de aplicação desta metodologia,
denominada QFD – Quality Function Deployment (Desdobramento da FunçãoQualidade), com o objetivo de analisar a qualidade do contrafilé direcionado a um
mercado exigente. Este estudo é uma simulação, mas permite demonstrar como se faz
para determinar o valor relativo das características de qualidade que devem ser avaliadas.
Antes, porém, é interessante definir alguns termos usualmente empregados quando se
trabalha com a metodologia de QFD.
II. A QUALIDADE E O CONSUMIDOR
Nas especificações de qualidade, levam-se em conta muitos parâmetros
estabelecidos a partir de critérios técnicos - como no caso das questões higiênicosanitárias na fazenda, na indústria e no comércio - priorizando a produtividade e a saúde
da população, porém, sem “ouvir a voz” do consumidor. Ou, em outras palavras, sem
tentar descobrir aquele “algo mais” ( qualidade atrativa ) que deveria estar contido no
produto para conquistar a sua preferência .
As especificações de processos e produtos são importantes, mas elas são da
responsabilidade dos governos e, muito mais, do setor. Há muito que não deveriam fazer
parte das preocupações de quem vai às compras podendo decidir como gastar seu
dinheiro entre as inúmeras alternativas que lhe são ofertadas. É o que se denomina
qualidade óbvia, cuja ausência deixa insatisfeito o consumidor, porém a presença não é
mais que obrigação do fornecedor.
Note-se que o avanço tecnológico na indústria de alimentos e em tantos outros
setores de bens de consumo, deve-se, em grande parte, ao vertiginoso aumento nas
vendas em supermercados, que torna obrigatório o desenvolvimento de produtos de
melhor qualidade percebida , que alguns preferem chamar de qualidade exigida
(SARANTÓPOULOS & GUEDES, 1995).
A qualidade exigida não pode ser definida tecnicamente sem antes inquirir do
próprio consumidor. Ela depende das pessoas, do produto e da situação, evoluindo com
as mudanças pessoais (experiência com o produto, idade, educação) e sociais (novos
valores disseminados pela mídia) com o passar do tempo (ISSANCHOU, 1996). A esse
respeito é interessante observar a evolução e o crescimento do mercado de carne de
frango, com e sem osso, temperada, empanada e em diferentes tipos de embalagem.
Neste mercado, a variedade de opções e a praticidade são atributos de qualidade atrativa
que vão conquistando a preferência do consumidor e deixando para trás os produtos
menos versáteis, que exigem habilidades culinárias e tempo para preparar.
III. CARACTERÍSTICAS DE QUALIDADE
O maior desafio de marketing, para tornar competitiva a carne, é responder a duas
perguntas: “quem é o consumidor que se pretende conquistar”? E “o que quer esse
consumidor”?
Imagine-se, agora, que o produto seja a carne de contrafilé e o mercado-alvo seja
o de indivíduos adultos de alta escolaridade, que, pelo seu maior poder aquisitivo e
facilidade para viajar, já tiveram a oportunidade de comer em bons restaurantes,
tornando-se mais exigentes do que o consumidor médio.
Feita a segmentação de mercado e a definição do público-alvo, o próximo passo
será o planejamento de uma pesquisa de opinião, destinada a saber o que quer esse
consumidor, e construir uma tabela de desdobramento da qualidade , onde as informações
originais são convertidas em itens de qualidade exigida, usando expressões simples, com
um significado inequívoco, conforme metodologia detalhada por CHENG et al. (1995).
Ressalte-se que a empresa interessada deve participar ativamente da pesquisa de
opinião, através de sua equipe de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que é quem
realmente conhece as nuanças do produto e pode interpretar desejos não verbalizados
pelos entrevistados (SARANTÓPOULOS, com. pessoal).
Depois, vai-se construir a Matriz da Qualidade, na qual procura-se traduzir as
informações do mercado na linguagem da empresa, ou melhor, naquilo que se pode
medir tecnicamente (CHENG, 1995), como a cor e a textura (maciez) da carne .
Para fins de exemplificação, simulou-se uma pesquisa com algumas pessoas
dessa faixa nobre de mercado, sobre o que esperam da carne de contrafilé. Para
simplificar o trabalho, deixou-se de lado alguns dados importantes, tais como o aspecto
de frescor, a quantidade de suco liberado pela carne no interior da embalagem e outros. É
importante salientar que se trata de um simples exemplo didático no qual utilizou-se da
metodologia de QFD para demonstrar como se estima a importância relativa de cada
característica de qualidade.
IV. MATRIZ DA QUALIDADE
Na matriz da qualidade (Tabela 2), faz-se o cruzamento das informações obtidas
dos consumidores (qualidade exigida - QE), dispostas na coluna da esquerda, com os
parâmetros técnicos de medida e avaliação sensorial (características de qualidade - CQ),
dispostos na horizontal, no topo. Nas interseções representa-se com um de três símbolos
o grau de associação - com base nos conhecimentos técnicos da equipe - entre um item
de QE e uma CQ, .
Em seguida, o grau de importância para o consumidor vai sendo multiplicado pelo
valor do símbolo, fazendo-se a totalização, por coluna, na 4
a linha de baixo para cima. Na seqüência, calcula-se a importância relativa de cada CQ (¹).
A partir dos resultados da Tabela 2, sabe-se quais as características de qualidade
que devem ser medidas prioritariamente no produto, por representarem melhor a vontade
do consumidor (²). Neste exemplo, vê-se que as mais importantes são: a força de
cisalhamento, a suculência e o sabor da carne assada, e o valor L (luminosidade) da cor,
espessura de gordura e marmorização da carne fresca (após o resfriamento da carcaça).
Em seguida, analisa-se o produto (contrafilé) de um ou mais concorrentes para
estabelecer as metas para a qualidade projetada do produto da empresa.
V. RESUMO E CONCLUSÕES
Procurou-se demonstrar que na avaliação da qualidade da carne bovina é muito
importante estudar as características de qualidade exigida pelo consumidor,
principalmente aquelas que possam representar um benefício que não estaria sendo
oferecido até então. É o caso, por exemplo, de uma carne de contrafilé que seja macia
(força de cisalhamento Warner-Bratzler <5,0kgf) e suculenta. Como os brasileiros, ao
contrário dos argentinos, não estão acostumados com contrafilés macios e suculentos,
por algum tempo serão atraídos pela novidade e esta será, portanto, uma qualidade
atrativa. Com o passar do tempo, muitos concorrentes irão oferecer a mesma coisa e
aquilo que era uma vantagem se tornará uma qualidade óbvia.
Utilizou-se o contrafilé como exemplo porque, em geral, quando a qualidade deste
corte é boa, a dos demais cortes da mesma carcaça também será.
Demonstrou-se também, com um exemplo teórico de Matriz da Qualidade, como se
faz para determinar a importância relativa das características de qualidade, isto é, dentre
as avaliadas, quais são as mais relevantes, que devem ser melhoradas objetivando deixar
para trás os concorrentes na disputa por mercados mais exigentes.
Conclui-se, ainda que parcial e provisoriamente, que as características de
qualidade a serem avaliadas são: a) na carcaça quente ou fria – espessura da gordura de
cobertura sobre o contrafilé; b) na carcaça fria ou no contrafilé desossado - valor L
(luminosidade) da cor e gordura intramuscular (“marbling” ou marmorização), e c) na
carne assada – medida instrumental de força de cisalhamento e análise sensorial de
sabor e suculência. Pode-se analisar a maciez sensorial em lugar da força de
cisalhamento, ou ambas.
Contudo, é importante assinalar que há outras características importantes para o
consumidor que não foram consideradas neste trabalho, tais como o tipo de embalagem
para venda ao varejo, a quantidade de líquido livre no interior da embalagem, as
alterações de cor ocasionadas pelo tempo de exposição ou pelo contato com o filme
plástico que recobre a carne, a praticidade e a facilidade de preparo de refeicões a partir
do produto adquirido.
V. BIBLIOGRAFIA
1. AKAO, Y. New Product Development and Quality Assurance: System of Quality
Function Deployment. Standardization and Quality Control, Tokyo, 25: 7-14. 1972.
2. CHENG, L.C. et al. QFD – Planejamento da Qualidade. FCO/UFMG, Belo HorizonteMG, 262p. 1995.
3. DALEN, G.A. Assuring Eating Quality of Meat. Meat Sci., UK, 43 S (Suplemento): 21-
33. 1996.
4. HOFMEISTER, K.R. Quality Function Deployment: Market Success through CustomerDriven Products. In: GRAF, E. & SAGUY, I.S. (eds). Food Product Development –
From Concept to the Marketplace. Chapman & Hall, New York, cap. 9, p. 189-210.
1991.
5. ISSANCHOU, S. Consumer Expectations and Perceptions of Meat and Meat Product
Quality. Meat Sci. UK, S (Suplemento): 5-19. 1996.
6. SARANTÓPOULOS, I.A. & GUEDES, L.B.R. Implantação de QFD em uma Indústria
de Alimentos – Sadia Concórdia S.A. In: CHENG, L.C. et al. 1995. QFD –
Planejamento da Qualidade. FCO/ UFMG, Belo Horizonte-MG, 211-34. 1995.
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